A Cachorra, de Pilar Quintana

”Assustada, a cachorra deu um pulo e depois lançou a Damaris seu olhar de cachorro perdido, ou talvez horrorizada, e começou a se afastar dela, da que antes tinha sido sua aliada e agora cometia contra ela a maior das traições. Tinha o rabo entre as pernas e a cada instante virava a cabeça, vigiando sua retaguarda, e Damaris teve a impressão de que agora sim havia se rompido entre ambas algo irreparável. Ao contrário do que esperava, isso lhe doeu.”

Nota: ⭐⭐⭐⭐

Editora: Intrínseca

Embora tenha registrado menos leituras neste ano em comparação ao anterior, meu mergulho em algumas obras da rica literatura latino-americana proporcionou experiências marcantes, e "A Cachorra" se destaca entre elas.

Da autoria da colombiana Pilar Quintana, a obra desvela a vida de Damaris, uma mulher residente numa região periférica e ribeirinha na costa do Pacífico. Damaris carrega consigo culpas e sofrimentos decorrentes de tragédias em sua vida, agravados pelo fato de se considerar uma mulher "seca" por não ter realizado seu desejo de engravidar.

A trama se aprofunda ainda mais no âmbito psicológico quando Damaris adota uma cachorrinha, nomeando-a Chirli, o mesmo nome que teria dado à filha que nunca chegou a ter.

"A Cachorra" pode ser caracterizada como uma narrativa crua, explorando temas como solidão, ausência, frustração e desigualdades sociais. À medida que desvendamos a história de vida de Damaris e sua lida com a falta de afeto que a vida lhe impôs, compreendemos a complexidade da relação dela com a cachorra Chirli.

O afeto por Chirli surge do anseio por um amor e carinho que Damaris jamais experimentou. Quando a vida da cachorra começa a escapar de seu controle, testemunhamos as nuances sombrias que a protagonista pode alcançar.

A escrita é seca, desprovida de adornos, uma escolha deliberada da autora para aproximar o leitor da dureza da vida, da invisibilidade de Damaris, de sua solidão e do ambiente empobrecido em que está inserida.

"A Cachorra" é uma leitura enriquecedora, mas demanda atenção aos temas sensíveis abordados e à crueza com que são apresentados. No final das contas, a obra é uma reflexão sobre monstros, que residem tanto no mundo exterior quanto no íntimo de cada um de nós.